Este texto faz parte de uma série que analisa os 6 filmes “coming of age” de John Hughes.
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Breakfast Club
Sábado, 24 de março de 1984. Shermer High School, Shermer, Illinois, 60062.
Caro Sr. Vernon,
Aceitamos o fato de que tivemos que sacrificar um sábado inteiro de detenção por qualquer coisa que tenhamos feito de errado. O que fizemos foi errado. Mas achamos que o senhor é louco de nos fazer escrever uma redação dizendo quem pensamos que somos. O que isso lhe importa? O senhor nos vê como quer nos ver — nos termos mais simples, nas definições mais convenientes: o senhor nos vê como um cérebro, um atleta, um caso perdido, uma princesa e um criminoso. Correto? Era assim que nos víamos às 7h desta manhã. Fomos submetidos a uma lavagem cerebral.
Clube dos Cinco (1985, Breakfast Club)
Quando aqueles cinco jovens se encontraram pela primeira vez na biblioteca da escola, em um sábado pela manhã, para cumprir um castigo, não imaginavam que aquele dia seria decisivo em suas vidas. Vernon (Paul Gleason), o professor, os recebe com dureza e passa uma tarefa: cada um deles deveria escrever um ensaio sobre quem pensavam que eram e o motivo para estarem ali. E é neste ambiente que eles experimentam o que Aristóteles chamava de reconhecimento ou catarse. Trata-se do instante em que a pessoa "cai em si" e percebe sua situação existencial. Para o grande filósofo grego, essa era a essência da tragédia — e é o que acontece no belo filme de John Hughes.
O grande tema do filme é o problema dos estereótipos. O filme começa com a voz de Brian (Anthony Michael Hall), o nerd, narrando que, quando Vernon os recebeu naquela manhã, só conseguiu enxergar o cérebro, o atleta, o caso perdido, a princesa e o marginal. Mas não é só isso: eles próprios se enxergaram da mesma maneira. A primeira parte da história, entre o início do castigo até o momento da explosão de raiva e ressentimento de John (Judd Nelson), mostra os cinco dialogando entre si sempre a partir de seus papéis sociais.
O problema remete a uma questão essencial da existência humana: o relacionamento com a realidade. Ao longo de nossas vidas, criamos filtros para enxergar o mundo e temos a tendência de perceber a realidade por meio de esquemas pré-estabelecidos em nossa mente. É difícil sair dessa armadilha e abandonar as verdades pré-concebidas que criamos para nós mesmos, a fim de ter uma experiência de humildade diante do real e aceitar o mundo como ele se apresenta — em vez de como o imaginamos. Andrew (Emilio Estevez) só consegue ver John pelo filtro do falso marginal, alguém que finge ser um revoltado para ter atenção. Claire (Molly Ringwald) é a filhinha de papai, que tem tudo, mas nunca está satisfeita. Allison (Ally Sheedy) é a esquisita, que vive em um mundo só seu. Andrew é o atleta, que perturba os alunos normais, como Brian, o bom aluno.
Mas, antes de tratar da catarse dos cinco, temos a catarse do próprio Vernon. O professor tem o pior defeito que um professor pode ter: ele não gosta dos alunos. Tem um discurso moralizador, mas é no confronto com o zelador — o único além dos seis que se encontra na escola — que ele começa a perceber sua realidade particular. Ele é um frustrado; alguém que escolheu a profissão com algum idealismo e terminou atolado pela burocracia escolar e pela tragédia que é a educação moderna, incapaz de inspirar alguém. Em todos os seis filmes dessa série, Hughes mostra a mesma realidade: professores maçantes, alunos entediados. A escola vazia mostrada em The Breakfast Club é insípida, sem alma, fria.
Richard Vernon: Pense nisso: quando você ficar velho, essas crianças — quando eu ficar velho — elas vão governar o país.
Carl: É.
Richard Vernon: Agora, esse é o pensamento que me acorda no meio da noite. Que, quando eu ficar mais velho, essas crianças vão cuidar de mim.
Carl: Eu não contaria com isso.
A primeira rachadura nos estereótipos surge quando Andrew confronta John, dizendo que a atitude dele é de fingimento. John puxa a manga e mostra a queimadura de cigarro, feita por seu pai. Ele se retrai em ressentimento e se isola. Claire olha para Andrew, que sussurra: "Como eu poderia saber?" Começa a segunda parte do filme: as rachaduras. A partir daí, eles começam a ver pequenos detalhes uns nos outros que não combinam com o papel que tinham criado em suas mentes. Brian tem problemas em aceitar o fracasso: teve uma nota baixa em uma matéria e pensava em se matar. Claire enfrenta o problema da separação dos pais. Allison é completamente ignorada pelos seus; Andrew tem um pai que exige que ele seja como ele.
O que os jovens percebem é que, no fundo, são muito parecidos. Todos enfrentam problemas que não conseguem expressar; todos têm problemas de relacionamento com os pais. Hughes retoma o problema de Sixteen Candles: a vida sem alma da classe média dos anos 80. Uma geração de relativo sucesso material, mas sem sentido para a própria existência. Allison resume o problema: "Quando você se torna adulto, seu coração morre." O desconforto deles é saber que estão se tornando adultos — e prestes a se tornarem como seus pais, os homens ocos de que falava o poeta T. S. Eliot:
Nós somos os homens ocos,
nós somos os homens empalhados
apoiados uns aos outros,
a cabeça cheia de palha.
O problema da vida burguesa, baseada acima de tudo no ideal de segurança — na tríade emprego, plano de saúde e aposentadoria — é sua aversão ao risco. Se, em parte, essa aversão é justificável, como nas finanças pessoais, por outra, como na vida emocional, é um desastre. Ela nos fecha para as coisas autênticas da vida, nos tira a espontaneidade, nos impede de realmente amar. Esse é o destino que os cinco jovens querem evitar. Mas, para isso, é preciso que tomem o leme de suas próprias vidas, tomando consciência de suas situações particulares.
O reconhecimento vem exatamente ao perceberem em si mesmos o que viam nos colegas: que viviam os mesmos dramas, que estavam sozinhos mesmo no meio de amigos. Ao serem obrigados a passar o dia juntos, sem possibilidades de distração, terminaram por remover as próprias barreiras, revelando o que traziam em suas almas. Ao fazer isso, olharam para si mesmos com uma honestidade brutal — e sofreram com o que viram.
Só quando reconheceram a si mesmos se tornaram capazes de se amar. Só conseguimos amar o próximo se tivermos amor próprio — que não deve ser confundido com o amor egoísta de si mesmo. Somos portadores de uma dignidade que nos é própria e, a partir dela, podemos olhar para o outro de outra forma. Não é por acaso que a cena final do filme é uma celebração: Brian atira discos ao ar; os três rapazes dançam sincronizados em cima do corrimão; Claire maquia Allison, que se revela como é — uma garota tímida que só quer ser amada; John é sensível, capaz de se sacrificar pelos colegas; Brian é um nerd, mas tem dificuldades em algumas habilidades; Claire sofre com a pressão de ser popular.
Quando o castigo termina, eles não estão mais solitários. Possuem uns aos outros, sabem que podem contar com a verdadeira amizade, pois foram autênticos e honestos uns com os outros. Eles romperam a bolha dos estereótipos, aprenderam a ver sem os filtros que adotaram para si mesmos, aprenderam, em suma, a olhar a realidade.
Você nos vê como quer nos ver — nos termos mais simples, nas definições mais convenientes: você nos vê como um cérebro, um atleta, um caso perdido, uma princesa e um criminoso.
Como não lembrar de “Don’t You (Forget About Me)”, do Simple Minds? A música tema marcou uma geração.
Amei. Eu simplesmente amo esse filme!