John Hughes: o amor nos anos 80
Como o cineasta americano fez em 6 filmes uma reflexão sobre os dilemas dos anos 80 e mostrou sua resposta: o amor.
Da mesma forma que uma lente amplia uma imagem para que possamos enxergá-la com mais nitidez, um bom filme amplia as situações e sentimentos humanos, nos permitindo ver com clareza o que muitas vezes nos aparece obscurecido. É como se uma luz de atenção fosse direcionada para algo que o autor gostaria de destacar, de colocar em relevo em relação ao mundo em que vivemos.
Se pensarmos em uma época de nossas vidas onde tudo parecia seriamente importante e que não conseguíamos controlar nossas reações, expondo o que tínhamos na alma, sem filtros, para o nosso desespero, provavelmente lembraremos de nossa adolescência. Tudo era tão exagerado! Nossos amores pareciam definitivos; nossas dores, incuráveis; nossa melancolia, sem fim. Parecia que nunca deixaríamos esta fase.
Talvez por isso o cineasta John Hughes tenha escolhido este período para fazer sua reflexão sobre a modernidade. Se na adolescência nosso comportamento é exagerado, e somos inocentes a ponto de nos abrirmos intensamente, estão este é um período da vida que funciona naturalmente como uma lente, destacando a nossa fragilidade ao lidar com um mundo repleto de riquezas materiais e conforto, mas onde algo parece estar sempre faltando. Em seis filmes, todos filmados na Chicago dos anos 80, Hughes nos conduz por uma jornada onde se revelam as contradições de nossa época.
Em conjunto, os filmes constituem um clássico cinematográfico da modernidade. Mas o que são clássicos? Há definições infinitas, mas gosto particularmente da idéia de permanência. Um clássico não fica datado, não perde sua força com o tempo; ao contrário, parece sempre atual. Creio que a grande explicação seja que o clássico captura o universal no particular. Os grandes artistas são capazes de tratar uma situação específica identificando sentimentos que atravessam o espaço e o tempo, que são comuns a todos os homens de todas as épocas, em outras palavras, retratam a condição humana.
O particular nos filmes de Hughes é o ambiente das High School americanas1 nos anos 80. Os adolescentes dessa época são filhos dos baby boomers, a geração que nasceu após a II Guerra Mundial e que conheceu uma época de riquezas sem precedentes, que cresceu escutando histórias das dificuldades, racionamentos, guerras; coisa que não encontraram no pós guerra. Uma consequência foi que criaram o filhos com maior liberdade, descrendo em qualquer tipo de castigo ou rejeição de seus desejos. Foram o que queriam que seus próprios pais fossem. Isso se traduziu em muitos bens materiais, típicos das classes médias, e uma incitação a “seguirem seus corações”, “serem felizes” e fórmulas do tipo. Os baby boomers deram tudo a seus filhos, menos um norte moral para seguirem. E essa negação cobrou seu preço.
Quando pensamos na modernidade, temos por pressuposto toda uma realidade material baseada no binômio trabalho e consumo. Trabalhamos para poder consumir, para ter uma vida confortável, que se traduz em bens diversos como uma casa no subúrbio e um bom carro, o chamado “american dream”. Hughes colocou seus jovens adolescentes a questionar todas essas premissas. Qual é o sentido disso tudo? Vale a pena se sacrificar tanto para ter resultados que parecem tão pequenos? Aos olhos desses jovens, a vida adulta parece extremamente medíocre e todo esforço dessa moral de classe média, para não usar o termo burguesa, parece levar a um beco sem saída. A família, no universo dos filmes, é insípida, sem vida interior, voltada apenas para a satisfação de necessidade imediatas e a preocupação que os filhos escolham suas carreiras, de preferência em profissões sólidas. Os adolescentes ficam perplexos neste mundo e, livres dos lugares comuns da vida adulta, se perguntam sobre onde se quer chegar. Como diz o personagem Cameron em Ferry Bueller’s Day’s Off(1985), “eu não tenho interesse por nada”. A resposta da jovem Sloane é “eu também não”. Não se trata de uma rebeldia, mas uma constatação. Eles realmente não se interessam pela vida adulta.
Outro tema fundamental é a descoberta do amor. Como podemos amar em um mundo onde predominam aparências e hipocrisia? Refletindo o que acontece na vida adulta, os jovens são rotulados. O nerd, a alternativa, o marginal, o atleta, o rico. Como atravessar essas camadas? Como pode uma jovem pobre ter um romance com um jovem rico nesse contexto de afastamento e impossibilidade de uma verdadeira comunicação? Como diz a música Subdivision da banda canadense Rush, tudo são subdivisões. Por fora, os adolescentes parecem todos iguais, mas observados com atenção, são muito diferentes.
Essas são algumas temáticas tratadas por Hughes nos seis filmes. Em todos, foi o roteirista e criador, embora tenha passado a direção em dois e a produção em outros dois. Não importa; seus filmes são autorais, reconhecíveis. Durante 5 anos, filmou Sixteen Candles (1984), Breakfast Club (1985), Weird Science (1985), Ferry Bueller’s Day Off (1986), Pretty in Pink (1986) e Some Kind of Wonderful (1988). Esses filmes definiram o que se chamou de coming of age, um sub-gênero de filmes de adolescentes que tem por tema a passagem para a vida adulta.
No próxima semana, Sixteen Candles, onde tudo começou.
este blog jamais, em tempo nenhum, usará a expressão estado-unidense.
Esses foram filmes marcantes para quem, igual a mim, teve as tardes marcadas pela Sessão da Tarde.
Muito bom o texto!