No ensaio anterior, defendi que os 6 filmes comming of age do John Hughes seguem uma linha coerente, com um grande tema central. Hoje vou falar do primeiro destes filmes, Sixteen Candles.
Samantha (Moly Ringwald) acorda insegura no dia do seu aniversário de 16 anos. Para complicar, trata-se de véspera do casamento da irmã mais velha, Giny (Blanche Baker), e a casa está um tumulto - inclusive com a invasão dos quatro avós. Esqueçam a imagem simpática de velhinhos amorosos; estes são inconvenientes, e uma das avós chega a agarrar um seio da Samantha para sentir o tamanho. Seus pais são amorosos, mas presos na rotina diária, sem tempo para nada que não sejam suas obrigações. Para seu horror, todos esquecem de seu aniversário.
Grandma Helen: Oh Sam, let me look at you. Fred, she’s gotten her boobies.
Grandpa Fred: [chuckles] I better go get my magnifying glass.
Grandma Helen: Oh, and they are so Perky.
Grandma Helen: [reaches to cup them]
Samantha: [cut to Sam’s bedroom] I can’t believe! My Grandmother actually felt me up.
Na escola, é ainda pior. As divisões da sociedade se refletem nos grupos de sua high school. Os populares, os nerds, os alternativos, os considerados normais. Ao contrário dos filmes vulgares popularizados em comédias de gosto duvidoso nos inícios dos anos 80, os jovens da escola são todos infelizes e sofrem uma enorme dificuldade de comunicação uns com os outros. O casal formado pelos populares Jake Ryan (Michael Schoeffeling) e Caroline (Haviland Morris) também não está feliz. A crise começa quando Jake descobre um bilhete caído em que Samantha confessa que se sente atraída por ele. Seria de esperar um reforço de vaidade no rapaz, mas não é bem o que acontece. Ele começa a perguntar sobre ela, querendo saber por que essa garota está interessada nele, ainda mais em um momento em que não está satisfeito consigo mesmo.
Hughes coloca no primeiro filme a temática que atravessará os demais seis, as subdivisões. Não existe uma classe média, mas várias. A escola é um lugar onde elas se encontram e são obrigadas a conviver. O preconceito existe, mas está em todas as direções. Sam está no meio da classe média. Só para ficar nos personagens feitos por Molly Ringwald, Andie (em Pretty in Pink) está na parte inferior e Claire (em Breakfast Club), está na parte superior. Todas tentam entender suas situações e reagem ao que não conhecem. A escola é uma fonte de tensão permanente entre essas subdivisões.
A casa nos filmes de Hughes são lugares da indiferença, e em Sixteen Candles1 esta indiferença é colocada no esquecimento do aniversário de Sam. Os pais não são problemas para os filhos, mas estão afastados, distantes. São pessoas amorosas, bem intencionadas, mas que se perderam na ética da modernidade, muitas vezes chamada de ética burguesa. Estão sempre na correria do dia a dia, em emprego confortáveis, mas insípidos, e não entendem o que passam os filhos. Apenas o pai de Andie, em Pretty in Pink, tem uma conexão mais forte com a filha, mas não por acaso é desempregado e vive a tristeza de ter sido abandonado pela esposa. O pai de Sam parece ter uma relação especial com ela, e é o único a lembrar, com atraso, do aniversário. Mas isso só acontece tarde da noite, quando finalmente a agitação do dia terminou e teve um tempo mínimo para pensar em alguma coisa. Não se trata de uma condenação aos pais, mas uma demonstração de como eles se tornaram sufocados por uma rotina baseada em uma ética questionável, que explica parte do sucesso da América, mas que deixa feridos pelo caminho.
Há um problema de atenção por parte dos pais. Eles querem compensar a ausência fazendo a vontade dos filhos, mas não param realmente para escutá-los. O pai de Keith (em Some Kind of Wonderful) é o que chega mais perto de parar e escutar o que o filhe tem a dizer, mas está tão obcecado com a escolha da universidade pelo filho que é cego para tudo o mais. Ele quer o melhor, a universidade que nunca pode fazer, e ignora as verdadeiras inclinações do filho. Apenas no fim, em uma conversa franca, ele começa a realmente entender. Em Sixteen Candles o pai tem uma boa conversa com Sam, dá bons conselhos, mas trata-se de uma reação tardia. Os conselhos já não são úteis.
Adolescência é também o momento da perda da inocência. A hipocrisia é cada vez mais clara e as ilusões são derrubadas. Os adultos vivem vidas fúteis, com o trabalho sendo parte central de suas vidas e a luta para melhorar as condições materiais uma constante. Qual o sentido de tudo isso? Eles conseguem ver mais claramente que o que seus pais estão entrando, e não gostam do que estão vendo.
Sixteen Candles mostra duas festas. A primeira é o baile tradicional da escola, que é retratado em uma visão pasteurizada, como a própria escola. É um teatro com seus papéis. Não por acaso o único momento de uma conversa autêntica se dá fora da festa, na oficina da escola, dentro de um carro velho, entre o nerd Ted (Anthony Michael Hall) e Sam. Sozinhos, podem ser eles mesmos e dispensar a interpretação. Ele deixa de ser o falso descolado para se mostrar como o garoto inseguro, que deseja ser amado. No salão de festas, a comunicação falha miseravelmente, seja na tentativa de conversa de Sam e Jake, seja entre Sam e Ted.
A segunda festa se dá em seguida, na casa de Jake. É a mesma festa louca que se vê em 9 de 10 filmes do gênero. No entanto, não parece uma noite de diversão e loucuras; a festa é retratada como vulgar e hipócrita. Jake não está satisfeito em ver a destruição de sua casa e, principalmente, a falta de sensibilidade de Caroline, que liderou a invasão. Ele está farto daquilo, mas não sabe como reagir. Em outro filme, Sam participaria da festa e conquistaria o seu coração, talvez dando uma lição a todos. Não é o que acontece. Ela não participa e é sua ausência que desperta ainda mais o interesse de Jake. Quem é essa garota que não está em uma festa dessas? Ele tenta ligar para ela, mas não consegue passar pelos avós da menina. Novamente a comunicação não acontece. Ele fica frustrado e intrigado.
Jake: You better not be dickin’ me around. It’d be a major downer to try and get together with this girl and find out that she really does think I’m a slime.
The Geek: Jake, would I dick you? Let me put it to you this way, what happens to me if I dick you?
Jake: I’ll kick your ass.
The Geek: Right! So why would I lie? But I feel compelled to mention to you, Jake, I mean, if all you want of the girl is a piece of ass, I mean, I’ll either do it myself, or get someone bigger than me, to kick your ass. I mean, not many girls in contemporary American society today, would give their underwear to help a geek like me.
Jake: I can get a piece of ass anytime I want. Shit, I’ve got Caroline in the bedroom right now, passed out cold. I could violate her ten different ways if I wanted to.
The Geek: [almost chokes on a pretzel] What are you waiting for?
Jake: I don’t know. She’s beautiful, and she’s built and all that.
[sighs]
Jake: I’m just not interested anymore.
The Geek: Does that really matter, guy?
Jake: Yeah, it matters. She’s totally insensitive. Look what she did to my house. She doesn’t know shit about love. Only thing she cares about is partying. I want a serious girlfriend. Somebody I can love, that’s gonna love me back. Is that psycho?
[Spits]
The Geek: That’s beautiful, Jake. I think a ton of guys feel the same way as you do.
Jake: Really?
The Geek: Yeah. It’s just they don’t… They don’t have the balls to admit it. You know? They’re just… They’re wimps.
Finalmente, o casamento de Giny. Nos filmes de Hughes, o casamento é a porta de entrada para a mediocridade da vida adulta, de classe média. A cerimônia é um constrangimento do início ao fim, desde os familiares se apertando nos automóveis, até uma Giny dopada entrar na Igreja, tropeçando pelos cantos. O noivo não se sai melhor. No jantar da véspera, se mostra vulgar e indelicado. A cena sugere que o casamento foi repentino. Os pais de Giny mal sabem o nome da família dele. Estão todos se conhecendo e tudo parece fora do lugar. Sam parece ser a única que consegue ver o carácter farsesco daquilo tudo. Após a cerimônia, todos partem para a festa, exceto ela, que encontra Jake na saída da Igreja. Ele quer conhecê-la. Não há jogos, apenas um convite honesto para sair.
O filme termina com os dois conversando e comemorando os 16 anos dela. No meio da mediocridade mostrada, o amor aparece como esperança, como deve ser sempre. A conversa é sincera, não estão interpretando papéis. Há comunicação, há abertura para o outro.
Sixteen Candles mostra um mundo doente, em que a euforia dos anos 80 contrasta com um preço que está sendo cobrado das pessoas, a perda dos sentimentos em detrimento da racionalidade, dos cálculos econômicos. A medida do sucesso está no exterior, nas conquistas materiais. De lados opostos da imensa classe média, Jake e Sam estão infelizes e se buscam. Querem autenticidade. Querem viver.
Sixteen Candles ilustra bem o problema dos títulos em português. Sixteen candles se refere ao aniversário de 16 anos, que nos Estados Unidos tem significado similar a nosso 15 anos. Ou seja, é um rito de passagem. O filme se passa no dia que Samantha faz seus 16 anos e entra oficialmente na adolescência. Ou seja, é um título que mostra o tema do filme, a passagem para maturidade de uma jovem. Já o título em português é deplorável (sério, o que estes caras que inventam estes títulos pensam?). Gatinhas e Gatões sugere que se trata de um filme sobre adolescentes atraentes ou algo parecido. Sim, eles estão presentes, mas o filme não é sobre eles, é sobre Sam, a menina que está fazendo 16 anos. Quem assiste o filme achando que vai ver uma comédia de adolescentes fazendo suas besteiras, vai ficar decepcionado ou sem aproveitar o filme em sua dimensão mais profunda.